Hoje você veio falar comigo. Depois dos vulcões se reativarem, dos terremotos derrubarem construções inteiras, e da pior tormenta já vista na Terra desolar nossos corações, você veio falar comigo.
A sua mão na minha nuca, só me fez lembrar do tempo em que cada toque teu, por mais simples que fosse (como quando você tentou desesperadamente limpar com a mão a marca de um "elefantinho" que ficou nas minhas costas, lembra?), me fazia ruborizar e pensar no quanto eu queria que essas mãos me fizessem um cafuné (de novo).
Na hora, eu congelei. Ao mesmo tempo que queria virar em sua direção e soltar um "Que bom que você veio!", me bateu aquela insegurança de olhar nos teus olhos e não vê-los mais brilhar por mim. Eu amo seus olhos, você sabe disso. Olhos de gato mestiço, multicoloridos, que ficavam verdes todas as vezes que você estava feliz comigo. Pois bem, hoje eles estavam cor de mel. Você sorriu (ah meu Deus, teu sorriso...) e começou com aquele papo-sem-papo. Pra ser bem sincera, eu nem sei bem o que você me disse. Estava tão concentrada em achar alguma marquinha, algum sinalzinho que fosse, de que você ainda estava apaixonado por mim, que até esqueci de me levantar. Porque, querido, eu conheço os teus sinais. Além dos olhos, você tem um sorriso que é só meu, um jeito de falar macio que é só meu, um cheiro que só eu sou capaz de sentir. E hoje, nem cheirando você estava.
Tentei. Eu juro que tentei acreditar que aquela tua felicidade era paisagem. Fiquei ali esperando um "Volta pra mim" baixinho, sussurado no meu ouvido, escondido (que era pra ninguém nos condenar). Mas não foi isso que aconteceu. Pelo contrário, você disse: "Raissa, tenho que ir" ( se esqueceu do quanto eu odeio quando você me chama pelo nome?)
E como começo de chuva, minha esperança começou a pingar e foi gradativamente absorvida pela terra.
Você estava feliz. Você estava feliz sem mim.
E a culpa é minha.
Eu que te dei um namoro sem açúcar, quando o que você queria era sentir a garganta queimar de tanto doce. Eu que te dei um relacionamento meia-boca, quando o que você queria eram dois lábios, 32 dentes, uma língua e muita saliva. Eu que fui o freio quando você quis ser acelerador.
Lembra o que eu te disse desde o começo? "Eu não sou apaixonável, M.", mas você insistiu em me provar o contrário, e olha no que que deu.
Agora você me entende?
Eu não sou apaixonável.
Eu poderia te dizer, como tanta outras vezes, que eu vou mudar. Vou comprar uma balança nova, não vou mais te dar livros de presente, não vou mais me preocupar com o que você gosta ou deixa de gostar, vou ser menos racional, vou entrar na academia e fazer meu exame de sangue!
Eu poderia muito bem te dizer isso. Mas penso que isso seria me camuflar, me fazer passar por uma pessoa a qual você pudesse se apaixonar. Só que eu cansei de bancar o camaleão. Eu tenho que aceitar, eu não sou apaixonável por você.
Se você queria que eu me arrependesse, eu me arrependi. Se você queria que eu te desse mais valor, pois bem, eu o redescobri. Só que agora, é tarde demais. Você gostou da paisagem ai de cima da montanha, e eu fiquei aqui, catando conchinhas à beira mar.
E me dói saber que eu não posso mais escalá-la pra ir ficar com você.
...
Hoje você veio falar comigo. Depois dos vulcões se reativarem, dos terremotos derrubarem construções inteiras, e da pior tormenta já vista na Terra desolar nossos corações, você veio falar comigo. E eu, que fiquei na esperança de ouvir notícias de sobreviventes, só fui capaz de distinguir a mensagem inevitável saindo pela tua boca:
"Nós cessamos nossas buscas por aqui."