Eu só penso que não tem mais espaço
Telhado, muro e portão
Não tem mais motivo
Carpete, louça, cortina
Razão
Pra que eu me importe com teus defeitos, pra que eu queira fazer tudo direito
Pra que eu busque direção nesse mar de tênues mudanças,
Temerosas surpresas
Imprescindíveis derrotas
Afogamentos, abolição, ressurgimento, exorcismo

Não me tranque no teu porão
Nem me dê desculpas chulas
Eu só penso que não tem mais espaço pra mim
Pro que eu me contorci, torci, tornei e vinguei
Pro que eu fiz de mim, por mim
Pro que eu quero e sou e fui e tento ser agora

Quero brados retumbantes
Não quero piedade como ponto de partida
Migalhas de uma vida sofrida
Quero soco, suor, ternura
Você despido, intacto, mudo, inapto
Cego, surdo, turvo
Quero mãos trêmulas se tocando, vozes que sussurram
Mentem, disfarçam, enganam
Se entregam e se manisfestam
E que se amem

Se amem

Não me trate mais assim, porque não é isso o que eu sou
Não me fale das flores, do teu novo jardim, sobre com quem você divide teu cobertor
Me fale dos ventos que gosta que te esfriem a pele
Me fale das poesias
Dos passos tortos
Da tua enfermidade
Me fale do espelho, do coelho na toca, das matrizes
Deusas, deuses, sonhos, ideais
Me fale o quê você quer da vida, de mim, de nós
Me fale das tuas danças, das tuas lembranças, mas divida comigo teus tombos

Não me espere com o café servido, pão cortado, faca de manteiga
Me espere com o que tiver que esperar
Estenda a bandeira pela qual eu me oriento
Grite das montanhas, me mande notícias pelo vento
Me ouça calado, leia o que eu te digo
Responda em pensamento

De que é feita a vida senão desses momentos?
Rompantes que surgem entre ilusões e sentimentos
Me diz o que que eu faço agora

Ou não.

Perco-me nos submundos da terra, e encontro meu lugar
Caminho meus vales, atinjo meu corpo
Tinjo minha pele
Marco você

Marco zero, me sento
E na brisa desse vento-sal distante da beira-mar
Me aposento de mim.

Distante do Belo
E então, vem o fim.